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Inteiro de verdade


Quatro pernas.

Quatro braços.

Duas faces.

Duas vidas.

Este costumava ser eu. Ou nós...

Passaram-se anos e os seres humanos ainda não entenderam ao certo o que aconteceu. Eu me encontro aqui, hoje, sentado na cadeira do meu quarto, de frente para o computador empoeirado com tons de amarelo, tentando colocar em palavras tudo o que ocorreu neste meio tempo. As pessoas estão mais vazias. Nós não sabemos o porquê da mudança tão repentina em nossos corpos.

Eu e minha metade, como todas as outras, éramos seres fortes, de personalidades imbatíveis, poderosos de alma. Os deuses nos temiam, porque planejávamos ascender aos céus e substituí-los. Éramos explorados por eles e as oferendas que fazíamos eram sacrificantes demais.

Os deuses nos enfraqueceram, nos dividiram ao meio, consequentemente, nos multiplicamos e agora, servimos em dobro. Trabalhadores mecanizados sem ideia de nossas missões em vida.

Eu gostava da minha outra metade, mas não me sentia inteiro. Quando ela partiu e foi viver a sua vida mais liberta, eu sentia que podia ser alguém de verdade, porque não estava preso a alguém que não havia escolhido.

Minha tentativa frustrada de escrever algo pra entender tudo isso que vem acontecendo com nossa espécie, foi um fracasso. Eu olhava para aquele abajur sobre minha coleção de livros de sci-fi, com uma cor carbonizada, e minha mente se ofuscava. Flashes esporádicos de criatividade saiam de mim e iam direto para as minhas mãos, que me davam impulsos para escrever algumas páginas e meias.

A luz do computador começava a embaçar minha vista, abaixei a cabeça por um instante e, assim, fiquei por algum tempo. Levantei arrastando a cadeira com brutalidade, já não havia mais ideias em minha cabeça. Decidi ir até a padaria da esquina comprar alguns cookies de macadâmia e espairecer um pouco.

Fiz o que tinha que fazer. O caminho de volta fiz tropeçando em meus próprios passos. Eu não era desajeitado desse jeito, aquelas outras duas pernas me faziam falta...

Eu gostava de contar as estrelas na volta para casa... E foi entre essa distração que foquei meu olhar para frente e parei. Vi aquele rosto angélico em minha frente e meu coração bateu tão rápido que parecia querer sair do meu peito. Paramos. Olhamo-nos por segundos que pareceram horas, nos completamos de uma forma estranha, e continuamos nossos caminhos. Olhei para trás boquiaberto sem entender o que aconteceu e nos perdemos diante da multidão.

Quando me vi já estava na frente de minha casa, subi rapidamente as escadas pulando os degraus de dois em dois e a criatividade voltara subitamente. Comecei a escrever tudo de novo, expelindo palavras de tamanha profundidade que me deixaram com um sorriso de canto de boca.

Acabei de escrever em horas o que havia refletido. Tão satisfeito com o resultado repetia, continuamente, em voz alta, o final daquele texto:

Se havia propósito ou não, os deuses ter-nos separado, eu não sabia, mas, talvez, eu estivesse colhendo uma flor no meio da guerra, retirando da dor que aquilo nos causou algo de bom. Fomos cortados ao meio e condenados a viver solitários, mas tudo isso tornou possível, que cada uma de nossas partes distintas pudessem passar a vida em busca de suas outras metades. Não somos homens e nem mulheres, somos apenas seres que caminham em busca da luz e do amor em nossos corações.

Baseado em: Simpósio de Platão

Imagens: Disponível em: <http://playthegameandwinatearstain.tumblr.com/post/60878932398/libertesedosistema>

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